segunda-feira, 23 de junho de 2008

Opinião: O 'traidor' Hiddink e o futebol da moda

Há alguns treinadores que só são bons em equipas de topo. Há outros treinadores que apenas obtêm sucesso em formações de menor dimensão. Por fim, há um lote reduzido de treinadores que atingem os objectivos propostos em qualquer conjunto. São, estes últimos, os verdadeiros mestres do futebol. Nesse quadro incluo, sem qualquer dúvida, Guus Hiddink, o técnico da Rússia, a mais espectacular equipa deste Europeu.



O homem que deu o único título europeu ao PSV Eindhoven, à custa do Benfica, em 1988, e a Taça Intercontinental ao Real Madrid, em 1998, apesar da curta estadia no Santiago Bernabeu, volta a fazer furor ao comando de uma selecção.

Nos últimos três Mundiais, Hiddink conseguiu dois quartos lugares, com a Holanda (1998) e com a Coreia do Sul (2002) e cometeu ainda a proeza de apurar a Austrália, 32 anos depois, levando os 'cangurus' aos oitavos-de-final do Mundial 2006, onde apenas baquearam ante a Itália, que viria a sagrar-se campeã, através de um 'penalty' inexistente nos descontos.

Como se vê, para este holandês os resultados aparecem praticamente sempre, mesmo sem ter 'Maradonas' ao seu dispor. O trabalho mental e táctico que desenvolve, permite a Hiddink transformar um conjunto menor, num grupo capaz de fazer suar, e até levar vencidas, algumas potências do futebol. Espanha e Itália, por exemplo, já sentiram na pele, a organização e a estratégia do holandês.

O espírito aventureiro deste 'globetrotter' do futebol levou-o a ter a Rússia como derradeiro destino. Tradicionalmente composta por jogadores de boa qualidade, a selecção deste país do Leste andava nas 'ruas da amargura'. Depois do desmembramento da União Soviética, a Rússia nunca conseguiu atingir uma segunda fase de uma grande competição internacional. Nos Mundiais de 1994 e 2002, os russos ficaram pela fase de grupos, não marcando sequer presença nos Campeonatos do Mundo de 1998 e 2006. Já em Europeus, não conseguiram a qualificação em 2000 e não foram além da fase de grupos em 1996 e 2004.

Tendo em conta os resultados recentes desta selecção, a tarefa não iria ser fácil para Hiddink. Nada que o assustasse, uma vez que também não havia encontrado facilidades na Coreia e na Austrália. Ainda assim, desta feita, o técnico holandês tinha uma enorme vantagem em relação às experiências anteriores em selecções estrangeiras: os recursos, humanos e materiais, à sua disposição eram consideravelmente de maior qualidade.

O futebol russo vive actualmente a sua melhor fase. Financeiramente, o campeonato da Rússia apresenta, ao contrário de outras ligas com maior reconhecimento internacional, grande fulgor. Essa disponibilidade financeira permitiu criar melhores condições de trabalho, manter os melhores jogadores no país - dos 23 convocados para o Europeu, apenas Saenko actua no estrangeiro - e trazer jogadores estrangeiros de qualidade - caso de alguns internacionais brasileiros como Vágner Love ou Daniel Carvalho, do CSKA de Moscovo, e até mesmo de alguns internacionais portugueses como Jorge Ribeiro, Maniche e Costinha, que passaram de forma fugaz pelo Dínamo de Moscovo - que ajudariam ao crescimento dos atletas e do próprio futebol russo.

Os primeiros sinais de sucesso aconteceram com a conquista da Taça UEFA pelo CSKA de Moscovo, em 2005, no Estádio de Alvalade, frente ao Sporting. Para muitos esse foi considerado um êxito isolado, mas, volvidos três anos, o Zenit provou que não. A equipa de São Petersburgo venceu, 'sem espinhas', a segunda mais importante prova europeia de clubes, destronando equipas como Villarreal, Marselha, Bayer Leverkusen, Bayern de Munique e Glasgow Rangers. O Zenit ganhou a admiração dos adeptos do 'Velho Continente' e, curiosamente, tem ao leme Dick Advocaat, também oriundo do 'país das tulipas'.

Num futebol com um enorme potencial, recheado de jovens talentos e em ascensão no panorama internacional, Hiddink tinha como meta criar uma equipa e conduzi-la ao Europeu, num grupo onde Croácia e Inglaterra eram adversários de peso. E não facilitou: com mérito, e também alguma sorte à mistura, os russos conseguiram o segundo lugar do agrupamento e deixaram os ingleses a ver o Euro pela televisão.

Nesta caminhada que ainda dura, o treinador holandês definiu o 4-1-4-1 como esquema de jogo, assente num modelo que privilegiava a posse de bola, a mobilidade colectiva, a rapidez na transição de processos ofensivos-defensivos (velocidade na procura de espaços ofensivos e no preenchimento dos espaços defensivos) e na elevada capacidade técnica individual dos jogadores.

Fazendo uso dos princípios atrás mencionados, a Rússia tem encantado neste Europeu. A derrota inicial com a Espanha, por números exagerados, não esmoreceu a equipa, que partiu para três vitórias consecutivas, rumo, para já, às meias-finais. Até a tão propalada 'laranja mecânica' da Holanda sucumbiu às garras do 'traidor' compatriota. A qualidade do seu jogo e a sua mentalidade ofensiva (equipa mais rematadora da prova e que dispôs de mais cantos) constituem pontos de atracção para qualquer aficionado da modalidade.

A Rússia de Hiddink é muito mais que um conjunto repleto de individualidades como Akinfeev, Zhirkov, Semak, Arshavin ou Pavlyuchenko, entre outros; ultrapassa a soma de valores individuais; é uma verdadeira equipa e que, sinceramente confesso, me dá prazer ao ver jogar como há muito não sentia. Após a má surpresa grega em 2004, torço agora por esta agradável surpresa russa, que tem, indiscutivelmente, o futebol da moda neste Europeu!

Para finalizar, deixo apenas uma questão no ar: Será que Hiddink falava coreano ou russo quando assinou pelas respectivas federações? Para bom entendedor...

Foto: Hugo Santos

Nota: Este texto foi utilizado na minha crónica semanal no blog "fintaeremata.com"

2 comentários:

Bruno Pinto disse...

Pedro, excelente texto, tens de fazer mais colunas de opinião deste tipo aqui para o teu blog.

A respeito da Rússia e do seu técnico Guus Hiddink, já tudo foi mais ou menos dito e escrito. O técnico holandês é extremamente competente, tacticamente muito inteligente e que já fez, no passado, fantásticos trabalhos, quer em clubes, quer em selecções.

Espero que a Rússia derrote a Espanha e seguidamente se sagre campeã europeia. E aquele Arshavin... que grande craque!! E o Zhirkov vem logo a seguir.

Anónimo disse...

Boas Pedro, tenho que admitir que já ha bastante tempo que nao vinha ao teu blog, mas mais uma vez eu me pergunto, porque nao está um jornalista como o Pedro empregado? Pois tamos num país que funciona principalmente por CUNHAS...

Bom, realmente nunca pensei que Guus Hiddink tivesse tido um historial como o que têm... Penso que merece uma oportunidade numa equipa que lhe dêm condiçoes para treinar à sua maneira, e uma equipa capaz de ir longe no mundo do futebol...

Mas pormeto voltar mais vezes a ver o teu blog. Abraço