Trocou a Luz pelo Tottenham em Janeiro. A recuperar de uma intervenção cirúrgica (artroscopia à tibiotársica direita) que o deixará fora dos relvados por um período entre dois a três meses, o internacional português fala nesta entrevista da realidade que encontrou em Inglaterra, dos objectivos do seu clube, das suas metas pessoais, do Benfica e da sua situação na Selecção Nacional.
Rola a Bola - Chegou ao Tottenham no final de Janeiro. Qual o balanço que faz desta experiência de cerca de nove meses no futebol inglês?Ricardo Rocha - A experiência tem sido extremamente positiva, porque estou a jogar numa grande equipa e no melhor campeonato do mundo. Sou companheiro de grandes jogadores e tenho ainda a oportunidade de defrontar grandes jogadores das outras equipas.
- Como é o futebol em Inglaterra? Nota muita diferença em relação ao estilo português? - Sim, e a diferença é grande. O ritmo de jogo é elevado, os jogadores lutam intensamente pela posse da bola e o jogo só acaba quando o árbitro apita, porque até lá tudo pode acontecer.
- Sentiu dificuldades em adaptar-se ao estilo de jogo praticado em Inglaterra?- Senti dificuldades devido a tudo o que já referi anteriormente. Há pouco tempo para pensar quando estamos na posse da bola, porque a pressão é muito grande; o árbitro deixa sempre jogar, há poucas faltas e depois para os defesas, como é o meu caso, as coisas tornam-se mais difíceis porque os avançados são sempre protegidos pelos árbitros, daí que raramente são marcadas faltas sobre os defesas…
- Hoje é um jogador totalmente adaptado à forma de jogar em Inglaterra?- Sim, tive que me mentalizar para mudar a minha forma de jogar. Hoje sinto-me completamente à-vontade, principalmente nos factores mais importantes: o jogo aéreo - que é muito solicitado -, a pressão sobre a bola, o contacto físico e ao facto de não haver paragens e de o jogo só acabar mesmo quando o árbitro apita para o final.
- Considera-se agora um melhor jogador do que há um ano?- Considero-me completamente adaptado ao futebol inglês e ainda há bem pouco tempo tive uma conversa com o treinador-adjunto que me referia isso mesmo. Em relação a ser melhor jogador do que anteriormente, não sei… Sinto-me com mais experiência e preparado para grandes desafios, porque os jogadores em Inglaterra estão constantemente a ser postos à prova contra grandes ‘estrelas’.
- É habitual os estádios ingleses estarem cheios, algo que infelizmente raras vezes acontece em Portugal. Em termos de ambiente, calculo que também as diferenças da Liga Portuguesa para a Inglesa sejam abissais…- As diferenças são muito, muito grandes. Os estádios estão sempre cheios, os adeptos são incansáveis no apoio às equipas e são eles que, muitas vezes, incentivam as equipas a recuperar de resultados negativos durante um jogo. Para além disso, há muito respeito pelos jogadores, tanto nas vitórias como nas derrotas…
- Fruto da presença maciça de adeptos nas bancadas na Premier League, sente uma maior motivação do que sentia em Portugal antes de começar um jogo?- A motivação não acontece antes do jogo, mas, sim, quando ele começa. Quando vamos aquecer vemos muito pouca gente nas bancadas, mas quando o jogo começa as bancadas estão completamente cheias de gente a apoiar, a cantar e a aplaudir.
- José Mourinho deixou recentemente o Chelsea e até houve manifestações de adeptos dos ‘blues’ contra a saída do treinador português. Falaram sobre Mourinho no balneário do Tottenham?- Falámos várias vezes do Mourinho, como grande treinador que é. Sinceramente, acho que ninguém ficou surpreso com o afastamento dele, porque já toda a gente sabia que a relação entre o ‘mister’ e o dono do clube não era a melhor e estava cada vez pior. A única surpresa terá sido o momento, pois ninguém estava à espera que acontecesse tão cedo.
“CONDUZIR À ESQUERDA FOI MAIS FÁCIL DO QUE PENSAVA”- Os ingleses são apaixonados por futebol. Fora de campo são adeptos ‘chatos’?- Somos pessoas normais fora de campo e raramente os adeptos nos abordam, algo que em Portugal era normal acontecer.
- A imprensa inglesa é tão ‘assustadora’ como se diz em Portugal?- Realmente é assustadora nos aspectos negativos, porque lhes dão muito relevo. Infelizmente, há dias passei por algo do género: publicaram uma entrevista comigo que era mentira, pois não falei com nenhum jornalista e fiquei bastante chateado com a situação.
- Adaptou-se bem à nova realidade social que encontrou? - Foi complicado no início. É tudo diferente: a comida, o tempo, o dia-a-dia… Mas com o apoio da família habituei-me e hoje sinto-me à-vontade.
- Habituou-se facilmente a conduzir à esquerda?- Foi mais fácil do que pensava. Nos primeiros tempos aluguei um carro para me habituar a conduzir com volante à direita, mas depois comprei um carro com volante à esquerda como em Portugal. Para mim é ainda mais fácil, embora quando venho a Portugal, às vezes, esqueço-me onde estou e cometo uns erros, mas nada de grave!
- Reside em Londres ou fora da cidade? - Vivo pertíssimo do centro de treinos, que fica a cerca de 40 km do centro de Londres, mas costumo ir lá várias vezes para passear com a minha esposa e os meus filhos.
"O TOTTENHAM SUPEROU AS MINHAS EXPECTATIVAS"
- O Tottenham é como imaginava ou é diferente?- O Tottenham é um grande clube e superou as minhas expectativas. Teve uma época em que era uma equipa regular no Campeonato, mas, nos últimos anos, fruto de um trabalho ambicioso, tem conseguido grandes resultados e conseguido qualificar-se para as competições europeias. O investimento tem sido feito para tentar chegar ainda mais à frente e conseguir lutar por um lugar na ‘Champions’ ou até, quem sabe, pelo título inglês. No entanto, há ainda muito trabalho pela frente.
- Em Portugal lutava para ser campeão, em Inglaterra isso não acontece. Custou-lhe entrar na mentalidade do novo clube, diferente da do Benfica?- Não, porque o Tottenham é um clube que luta por títulos, esse é o grande objectivo. Obviamente, o rol de equipas que luta pelo Campeonato é maior e algumas equipas estão uns passos mais à frente, mas o objectivo é sempre chegar o mais longe possível e ganhar algo.
- Sente menos pressão em White Hart Lane do que acontecia na Luz?- Não. A pressão é sempre imensa, porque o Tottenham é um grande clube, com uma massa adepta muito grande e sedenta de títulos.
- Os ‘Spurs’ acabaram a época passada em alta, conseguindo o quinto lugar. Este ano as coisas não estão a correr bem. O que se passa com o Tottenham?- Na época passada o objectivo da Taça UEFA foi conseguido, juntamente com o quinto lugar. Este ano o investimento foi alto e as expectativas eram um pouco maiores, visando atingir a Liga dos Campeões. Infelizmente, as coisas não começaram nada bem, perdemos os primeiros jogos, a pressão sobre o treinador começou a ser imensa e, mesmo agora, continuamos abaixo da linha de água. Mas é algo momentâneo, porque vamos conseguir ultrapassar este mau início.
- Segundo a imprensa, o técnico Martin Jol está no ‘fio da navalha’. Essa notícia aumenta a pressão sobre a equipa, prejudicando-a? - A pressão sobre o treinador é muito grande e quase diariamente apontam nomes para a sua sucessão. Penso que isto tem criado instabilidade, porque a necessidade de vitórias é muito grande. Porém, a meu ver, as responsabilidades são iguais para treinador e para os jogadores. Somos todos culpados por este mau início.
- Repetir a classificação da última temporada na Premier League é ainda possível?- Penso que ainda é possível, mas temos que, rapidamente, voltar às vitórias e às grandes exibições. Somos uma grande equipa e temos muita qualidade, como já provámos no passado.
- Quais os objectivos da equipa para a presente época?- Os objectivos são chegar o mais longe possível na Taça da Liga, na Taça de Inglaterra e na Taça UEFA e, se possível, conquistá-las. No Campeonato é lutar por um lugar nas competições europeias, se possível na Liga dos Campeões.
"ESTAR PRESENTE NO EURO NÃO PASSARÁ DE UM SONHO"- Em termos individuais, quais os objectivos que traçou para 2007/2008?- Os objectivos são lutar sempre por um lugar e afirmar-me na equipa. É difícil, porque a quantidade e qualidade da concorrência é muito grande, mas vou fazer os possíveis.
- Foi operado há dias e vai ficar ausente dos relvados por um período de dois a três meses. É a paragem mais longa que teve na sua carreira?- Sim, será a paragem mais longa da minha carreira e, infelizmente, será maior do que previamente se esperava. Mas o importante é que correu tudo bem e quero regressar em grande.
- Apesar deste contratempo, mantém intactas as metas que delineou atingir na presente temporada? - Completamente. Tenho a confiança dos treinadores e da direcção, e isso é o mais importante.
- À semelhança do que aconteceu no Benfica, tem, por vezes, jogado à esquerda. Esperava desempenhar novamente essa função?- Sinceramente não esperava, embora tenha sido contratado por fazer qualquer uma das posições na defesa. No entanto, como vários jogadores estavam lesionados, tive que o fazer.
- Desagrada-o fazer o papel de lateral?- Não gosto tanto de jogar a lateral como a central, mas faço-o sem problemas porque o mais importante é a equipa.
- Ainda não conseguiu fixar-se no ‘onze’ do Tottenham em definitivo, alternando a titularidade com o banco de suplentes. Como explica este facto?- Tenho jogado muitas vezes, mas não sempre como gostava. A concorrência é muito forte e bem mais jovem do que eu, mas é uma decisão do treinador e tenho que respeitar. O mais importante é que, quando sou chamado, as coisas correm sempre bem.
- Apesar de não actuar sempre, sente-se feliz em White Hart Lane ou está desagradado com Martin Jol?- Obviamente gostava de jogar mais e eles vêem-me como um jogador com muita experiência. Mas sinto-me bem no Tottenham e é um prazer fazer parte deste grande clube.
- Não voltou a ser chamado à Selecção Nacional depois do desaire na Polónia…- Fiquei triste por não ser chamado novamente depois dessa derrota, porque foi um jogo mau para todos… Ninguém esteve ao seu melhor nível e, sinceramente, tirando aquele desentendimento com o Costinha no lance do segundo golo, acho que fiz um grande jogo. Mas é apenas a minha opinião.
- Sonha em marcar presença no Europeu, caso Portugal atinja a qualificação, ou considera-se ‘riscado’ por Scolari?- O meu sonho era estar numa grande competição como o Euro, representando o meu País. Mas, com toda a sinceridade, acho que isso não passará de um sonho. No entanto, independentemente disso, respeito o seleccionador, as suas opções e desejo o melhor para a Selecção e para o meu País.
"REGRESSO A PORTUGAL? O BENFICA SERÁ SEMPRE A MINHA ESCOLHA"
- Continua a acompanhar o Campeonato Português?- Sim, continuo a acompanhar o Campeonato Português. Tenho TV Cabo portuguesa em Inglaterra, por isso acompanho o Campeonato e tudo o que se passa no País.
- Do que tem visto, qual a sua opinião sobre a Bwin Liga 2007/2008?- Antes de o Campeonato começar, pensei que este seria um dos mais renhidos e estimulantes, devido ao investimento feito pelas equipas. Mas, infelizmente, o Porto não tem dado hipóteses. O Benfica está ainda numa fase de transição devido à contratação de muitos jogadores e da troca de treinador. O Sporting tem estado bem, mas já perdeu imensos pontos. No resto, penso que o nível de jogo melhorou um pouco.
- A sua antiga equipa, o Benfica, está já a oito pontos do Porto no Campeonato e ocupa o último posto no respectivo grupo na Liga dos Campeões. Pensa que a equipa ainda está a tempo de recuperar os pontos perdidos interna e externamente ou será mais um ano perdido?- Apesar da distância para o Porto e de ainda não ter conseguido qualquer ponto na ‘Champions’, penso que o Benfica tem mais do que qualidade para conseguir chegar aos seus objectivos: lutar pelo título e chegar à fase seguinte da ‘Champions’.
- Camacho foi seu treinador e agora regressou ao Benfica. Que opinião tem sobre o técnico espanhol?- Aprendi muito com Camacho e com o seu adjunto Pepe [Carcelen]. Acho que era um regresso que há muito se previa, mas que aconteceu mais cedo do que o previsto. Acima de tudo, é um grande treinador: muito exigente, disciplinador e motivador. Para além disso, sabe o que é o Benfica e o que a massa adepta quer e deseja.
- Pensa um dia regressar ao futebol português?- Gostava de voltar um dia ao futebol português, mas apenas quando o meu futuro estiver salvaguardado. Em termos fiscais, as coisas não estão fáceis em Portugal, o que pode influenciar muito a qualidade e o futuro do Campeonato.
- Em caso de um eventual regresso a Portugal, o Benfica terá a sua preferência em relação aos demais emblemas?- Com todo o respeito pelos outros clubes e os seus adeptos, o Benfica será sempre a minha escolha.
Fotos: Hugo Santos